quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

PÉROLAS

Há alguns anos coleciono pérolas inerentes ao meu ofício.
Atendo muitas pessoas em locais públicos patrocinados pelo governo, coisa que fiz durante toda a minha vida e continuarei fazendo. Acho que é o certo, mesclar o atendimento privado e o público na intenção de abraçar e ajudar a todos os que precisam.
Não é nenhum tipo de hipocrisia isso porque sinceramente eu acho que, depois de estudar por toda a vida em instituições públicas, o mínimo que posso fazer para retribuir é continuar atendendo a quem precisa e não pode pagar. Afinal, a saúde pública me estendeu a mão quando eu estava aprendendo e agora eu estendo a mão de volta em reverência ao que me foi concedido.
Tá! Muito bonito isso, que é tudo verdade, mas o que eu queria dizer aqui é: como as pessoas falam besteira!
Cara, em todas as esferas da minha vida profissional eu ouço besteiras! 
Como se não bastasse ouvir besteira fora do trabalho.

E eu sou ortopedista. ORTOPEDISTA!
Então não adianta marcar uma consulta com um ortopedista, sentar na frente dele e, quando perguntado o motivo que o trouxe ali aos 80 anos de idade, falar: olha, ontem eu estava conversando com o atendente do Wallmart e ele me disse que eu estava com olheiras...
Pausa. Continuo olhando com a esperança de uma patologia ortopédica.
Passam-se cerca de 40 segundos que para mim pareceu uma eternidade. 
Continuo fitando o paciente, que após mais um tempo me olhando me pergunta: eu tô??!!
E eu: tá o que?
E ele: com olheira???

Vou fazer aqui uma pausa para reflexão...

Véi, o que você acha que eu respondi?!
Vou contar. Com toda a calma do mundo, falei: eu não sei. Eu sou ortopedista. Nunca vi o senhor... mas sinceramente eu acho que o senhor já tem essa cara faz tempo.

Mais uma pausa. Ele ficou me olhando, pensando se aquilo era sério ou era sarcasmo. Eu também estava na dúvida. Até que ele deu um sorriso e falou: é... acho que sim doutora... então quero falar pra senhora do meu problema aqui no pé.
E eu: qual pé?
E ele, me apontando enfaticamente o lado direito: este aqui, doutora, o pé esquerdo!


Um comentário:

  1. Ai meu Deus! pelos bigodes de Dali! Pior que esse é o dia a dia. Imagine eu, também ortopedista, chega um paciente e sem falar nada fecha a porta e coloca o pinto pra fora.
    - Que é isso meu senhor - eu pergunto. E ele:
    - Não doutor , é que me apareceu uma ferida e eu queria que o senhor visse.
    - mas amigo, eu sou ortopedista.
    -Eu sei, é que o senhor é o único homem aqui nesse plantão.

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